terça-feira, 20 de novembro de 2007

A vitrina das memórias

Tenho na minha sala um móvel que herdei. É uma pequena vitrina onde, a sete chaves, guardo através dos objectos, pedaços da minha memória.
Sei que quando chegar a minha hora, não os poderei levar comigo e que muito provavelmente, nenhuma das minhas 4 filhas lhes irá dar qualquer valor: - são as velharias da mamã – pensarão elas, mas para mim, cada um representa muito mais que um pedaço do meu passado, ou uma espécie de âncora, mas sim, uma luz que me mantém presente, o sentido de todo o meu caminho.
A boneca de porcelana, o prato tão carinhosamente oferecido pela avó, o missal muito antigo, a garrafa de cristal, o frasquinho de perfume trazido de muito longe, as lembranças de países distantes, a chávena favorita, e cada um de sua maneira muito especial, mantém-me sempre ligada às recordações de momentos e de pessoas muito queridas.
Não olho muito para lá. Não preciso, mas gosto de saber que eles estão ali, perdurando no tempo, intactos, mas também sei que susceptíveis de se quebrar a qualquer instante.
E foi precisamente isso que me aconteceu há dias, quando desastrosamente, uma das miúdas partiu em mil pedaços, uma dessas memórias.
De início incrédula, depois triste e por fim mais do que conformada, apanhei todos os cacos e abracei a minha filha. Ao menos ela estava ali, ilesa, e dentro do seu coração, o seu amor por mim, infinito, e isso era o que mais importava.
Não vou dizer que deixei de fechar a vitrina à chave e muito menos que passei a dar-lhes acesso para mexerem nas coisas, mas, o sucedido ajudou-me a compreender que apesar de as nossas memórias serem de facto muito importantes, não podemos nem devemos, dar-lhes demasiada importância. As memórias, essas, permanecerão guardadas dentro de nós, mas enquanto vivos, há que manter sempre o coração aberto para permitir que outras entrem.

Sem comentários: