terça-feira, 20 de novembro de 2007

Depois de mim

Ontem sonhei com a minha morte mas curiosamente não senti medo. É que a morte, a nossa morte, não parece tão assustadora assim. Pior é para quem fica. É a lembrança e a saudade, o vazio... mas no meu sonho, eu viajei no tempo e vi a vida dos seres que amo, depois de mim.
De início, lágrimas de tristeza foram derramadas, depois, veio a saudade e por fim o adormecimento e, cada um de sua maneira foi continuando a sua vida até que a memória de mim, quase se apagou.
Quando despertei, ao invés de me sentir amargurada, senti-me estranhamente livre. Afinal, é esse o destino de quem parte para uma longa e interminável viagem sem direito a regresso. Afinal, a vida de cada um segue o seu rumo, indiferente à suposta falta que julgávamos fazíamos nas suas vidas e até mesmo aquela sensação de vazio que durante algum tempo, lhes aperta o coração, até isso, é preenchido com outros afectos e muitas vezes outras dores.
Compreendi então que enquanto vivos, enquanto possuidores dessa dádiva que chamamos vida, o que devemos de facto fazer, é amar e desfrutar tanto quanto possível de tudo o que nos rodeia, porque quer o queiramos quer não, o nosso tempo irá esgotar-se e a vida continuará sem a nossa presença.
Eu gosto particularmente de falar sobre a morte. Muito mais até do que a vida, a morte é a grande escola de humildade. É ela que nos mantém presente a nossa falibilidade como seres humanos. É a morte que nos ajuda a redimensionar a realidade que nos envolve. É ela o limite mas também o único e seguro horizonte, só que assustadoramente misterioso.
Não é fácil pensarmos no mundo sem o nosso contributo. Afinal de contas, quem aquecerá o leite dos nossos meninos? Quem ocupará a nossa cama? Quem fará o trabalho que com tanto desvelo realizámos? Mas é precisamente neste exercício que redescobrimos a irrefutável mas também dolorosa verdade. Alguém, algures, substituir-nos-á, e de nós, restará apenas e somente, a memória que se vai diluindo com o tempo, o nome que deixámos gravado na pedra, pedaços de nós perpetuados pelos nossos filhos, os afectos que conseguimos construir.
E, se houve alguém capaz de descrever em breves palavras, a dureza desta realidade, Fernando Pessoa, disse assim: -Descansa que apenas serás lembrado em duas datas. Na que nasceste e na que morreste.

Sem comentários: