terça-feira, 20 de novembro de 2007

o lugar de se ser feliz

Algures, no cimo de uma suave colina sobranceira ao mar, existe um pequeno chalé. Paredes brancas, janelas rectangulares aureoladas de um vermelho desmaiado, os seus telhados em bico, são como raízes que o mantém junto ao céu. Lá no alto, nas suas águas furtadas, um amplo sótão, que o tempo foi enchendo de memórias, cuja história contada por pequenos fragmentos do passado, mantém presente que o tempo passa arrastando consigo tudo, quase tudo, e quantas vezes, a própria vida.
Não são muitas as vezes que retorno ali, pois a minha alma dói-me, entristecida pelos ecos dos risos, o perfume das palavras soltas ao vento, o mesmo vento, que uiva lá fora, como uma canção que os anjos nos vêm cantar.
Das paredes, outrora imponentes e cobertas de inúmeros retratos, restam apenas hoje, as pequenas lascas de tinta, a marca do parafuso arrancado na ânsia de alguém levar consigo, um naco do passado. Os móveis, o que deles resta, há muito que o caruncho carcomeu, espalhando à sua volta, um manto creme, como se o vivido ao passar, deixasse somente ficar, as suas cinzas.
Ao longe, vindo do fundo do corredor, vem-me à lembrança o cheirinho dos biscoitos feitos com carinho, invadindo a casa à hora do lanche.
Mas é lá em cima, que moram muito do que foi o melhor do meu caminho.
A vivescência da paisagem engalanada pelo azul da cor do céu, um imenso manto azul esverdeado, por vezes sereno, outras revolto, outras, tantas vezes, coberto pela neblina. Os pássaros que num voo rasante, parecem vir brincar com os bicos do telhado. Os ninhos das andorinhas, o sol penetrando pelas janelas espargindo o chão de luz que dança com as sombras das nuvens.
Tudo, tudo me cheira a passado. A tempo que apesar de ido, se mantém vivo dentro de mim enquanto a saudade teimar em manter presente a memória de quem já fui.
A pequena caixa das bolachas, o ursinho de peluche, os vestidos da infância, as fotos amarelecidas pelos anos, esquecidas dentro de uma caixa de papelão e por entre tantas recordações, o meu coração rememora a mágoa da perda dos muitos entes queridos que povoaram a minha meninice que hoje me parece ter sido tão fugaz como um arco-íris numa manhã de orvalho.
Enquanto os meus olhos percorrem aquelas imagens, o vento vem bater-me na janela trazendo consigo o odor da maresia e com ela, a intuição da imensidão do mar que no incessante vai vem, personifica a própria vida. Uma onda prenhe de vida, que ao se desmaiar na praia morre, para voltar a nascer na seguinte e o meu coração rejubila de esperança, que talvez a morte não seja mesmo o fim.
Mas o tempo passou. Tudo passou. Só eu fiquei e a nostalgia que a magia da infância reaviva de quando em vez, sobretudo quando a vida lá fora nos machuca, nos açoita e nos faz sofrer, e quando essa dor, de tão forte, nos obriga a uma retirada estratégica, deste mundo conturbado, quase vil.
Um pequeno chalé, numa suave colina sobranceira ao mar, cujos telhados em forma de bico, o mantêm preso ao céu. Um chalé, cujo tecto é o céu azul, o tapete, um imenso mar, e onde o ar que se respira é a magia e a fantasia embaladas pelo sussurro do vento. Quem não tem, dentro de si, um lugar assim? Um lugar sagrado, secreto, onde se guardam memórias, sentimentos, recordações. Um lugar que pode ser em qualquer lugar, num qualquer canto, mas quase sempre dentro de nós, dentro do peito, profundo na nossa alma, onde não existem limites, nem para o amor, nem para amar. Um lugar que mais não é, que o lugar de se ser feliz.

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