quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Reaprender a amar.


Não existe dor mais lancinante e cruel que não podermos encontrar nos olhos da nossa mãe, o brilho das memórias do nosso passado.
Mãe é muito mais que um colo. Mãe é o cofre sagrado que guarda intactos e indeléveis os registos de todos os marcos importantes do complicado processo em que ao crescer, nos fomos fazendo gente. Apesar da sua presença física, a sua alma, essa, jaz algures num limbo inacessível e inatingível do esquecimento, onde todo esse património afectivo, parece perdido para sempre e dos laços que nos mantinham cativas do nosso amor, não se vislumbra qualquer sombra.
Vítima de uma embolia cerebral, a mulher que hoje encontro deitada sobre a cama do hospital, é apenas uma alma vazia que enverga o corpo da minha mãe. Resta-me a mim, reaprender a amar este novo ser cujas lembranças se apagam incessante e dolorosamente.
Em vão, sento-me a seu lado, as mãos dadas como outrora, esboçando sorrisos que a façam reacender a chama de vida que sinto se esgota. Mas mães morrem quando querem, indiferentes à dor, ao vazio, à saudade. E de novo pergunto a mim mesma, o que faz de nós aquilo que somos, se o sopro de vida, se os sentimentos se a alma e o que faço ao amor que ao partir, ela deixou ficar em mim.
E a resposta, humedecida pelas lágrimas que teimosas, dos meus olhos vão saindo, surge assim,” o amor que te ensinei, repartirás pela vida, sendo gente e sendo mãe, até à hora da despedida”.

Quisera eu

Quisera eu arrancar-te do meu peito, como erva daninha fosses, mas quis o teu amor, que ele tivesse, profundas raízes que ao se entrelaçarem na minha alma, o tornaram eterno, imortal.
Ah mas como dói, este amor que fica, este imenso vazio. Como queimam estas lágrimas que sei, não posso derramar.
Meu colo, meu porto de abrigo enquanto qual veleiro, por esse mundo me fui encontrando e descobrindo, na alegria de partir pela felicidade de regressar.
Mas quisera eu, arrancar-te do meu peito. Apagar em mim, todos os traços que a ternura deixou ficar. Abafar os ecos dos risos, a memória de todos os sorrisos, quando a vida nos fazia chorar.
Parte, parte de mim e livre voa, ainda que partindo em mil pedaços, este coração que também foi teu. Parte amor maior que o mundo. Parte o abraço, o beijo profundo, com travo amargo de indelével saudade

Ao sabor do vento



Neste entardecer, em que a penumbra faz parecer que o sol se esmaga na linha do horizonte, saio do hotel rumo á beira-rio.
Vou sozinha comigo mesma, envolta num sem fim de pensamentos, enquanto rememoro passagens do passado que a saudade cristalizou na minha memória.
Por breves instantes, sinto-me triste, profundamente triste até que, inesperadamente, uma suave brisa vem brincar comigo, acariciando o meu corpo com incrível doçura.
Fecho os olhos, inebriada pela sensação que me provoca, aquele toque seda do vento contra a minha pele e que parece levar consigo o peso que carrego sobre os ombros.
O mundo à minha volta, deixou de existir. Não tenho medo ou pudor que alguém me veja. Para mim, este vento magico e imprevisto, é a resposta às minhas preces, por isso, aceito o seu convite para uma valsa imaginaria, em que de braços abertos, danço com ele e por uma vez, em toda a minha caminhada, deixo-me apenas levar ao sabor do vento.
Não sei, creio nunca saberei, quanto tempo o nosso “caso” durou. Quando nos sentimos felizes, o relógio da alma, é quem marca o compasso, nem tão pouco sei, se foi sonho ou realidade aquela verdadeira loucura de dançar com a brisa, mas, sinceramente, isso pouco ou nada me importa.
Sei apenas que veio bem de longe, bem de lá da linha do horizonte, onde o céu e a terra se parecem beijar. Sei que me trouxe uma carícia. Que dançámos. Que fomos felizes e que, quando partiu, deixou em mim um doce perfume de saudade.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

A causa do amor

A causa do amor

Bem por aí à nossa volta, existem um sem fim de guerras que, incessantemente, nos convidam a participar. A umas podemos simplesmente fechar os olhos e tentar seguir em frente, mas existem outras que, tomando a forma de causas, acolhemos no coração.
Sou acima de tudo, um ser a causas movido. Incapaz de permanecer indiferente, sobretudo àquelas que nos igualam na condição humana, e elas são tantas!
Creio que a sua existência, se reduz a uma única razão, à soberba do homem sobre si mesmo e sobre os outros.
Talvez a culpado seja mesmo o Homo Sapiens, aquele primeiro ser que ao levantar-se das quatro patas, assumindo a posição erecta, mas por ter ainda o cérebro pouco desenvolvido, se considerou, senhor de todas as coisas que a sua vista agora via. Via mas não enxergava e continua a não enxergar até aos dias de hoje.
Só um ser muito pequenino não se deixa deslumbrar por todo o incomensurável mistério que nos envolve. Um sistema solar que funciona sem falhas, um universo infindo, um planeta regido por leis próprias e mãos invisíveis, uma natureza, criteriosamente criada para acolher todos os seres vivos, sendo que o bicho homem é, apenas e somente, uma delas e também parte de um todo.
Os recursos, as lições, e os exemplos que necessitamos estão todos aí, gratuita e fartamente à nossa disposição mas, aquilo que nos diferencia dos outros animais, é, precisamente aquilo que nos destrói, o que nos leva a concluir que, afinal de contas, não somos tão inteligentes assim.
Esquecemo-nos recorrentemente que somos meros inquilinos deste lugar, que, bem vistas as coisas, andamos cá todos ao mesmo. Nascemos, vivemos e partimos, contudo, ainda não compreendemos, o toque divino que trazemos connosco, a mais maravilhosa de todas as ferramentas, aquela que torna suportável todo o sofrimento, e que é, nada mais nada menos, o coração.
Serei sempre defensora do amor, do “coração” e coisas afins, uma espécie de sua guardiã, ainda que saiba que terei de pagar por isso. para muitos, compaixão é sinonimo de fraqueza mas para mim, é de elevação.

sábado, 29 de agosto de 2009

Ostinato

Adeus amor, apenas adeus. Adeus, palavra que dentro de mim ecoa.
Adeus mas como foi bom, foi bonito, porém agora, adeus, adeus, adeus, palavra que dentro de mim ecoa.
Adeus beijos ardentes, mãos que se procuram. Adeus, palavra que dentro de mim ecoa.
Adeus efémero amor, adeus saudade. Adeus, palavra que dentro de mim ecoa.
Adeus amigo, adeus, adeus por tudo, adeus por nada. Adeus, palavra que dentro de mim ecoa.
Adeus fim, adeus sonho por cumprir, adeus. Adeus, palavra que dentro de mim ecoa.
Adeus, adeus, adeus. A Deus, verdade do sentido que fica. A Deus, palavra que dentro de mim ecoa.
Adeus de paz, adeus de esperança. Adeus, adeus, adeus. Adeus, palavra que de dentro de mim, para longe voa.

domingo, 2 de agosto de 2009

A casa da saudade

A casa onde a minha alma mora é bem pequenina. Tem duas belas janelas de onde contemplo o mundo e, situada que fica, a um canto do coração, chamo-lhe com ternura, de saudade.
As ruas que percorro, são as ruas da memória, e é de lá, desse sem fim de espectros do passado, que este, como uma luz, iluminando presente e futuro me mantém ancorada à essência de quem sempre fui.
Nem sempre arrumada, nela existem cantos e recantos, onde a dolência teimou em se acobertar, porém, quando esta se desperta, é do meu peito que transborda como grossas gotas de chuva que rolam pelo rosto, mas não há que ter medo, pois a saudade, a minha saudade, tem guardados muitos momentos de alegria que aprendeu a soltar, sob a forma de sorrisos.
De quando em vez, a minha casa é soprada pelo vento, um vento mágico que ora chega e ora parte, levando os meus recados, os meus pensamentos e, quantas vezes, os meus beijos, mas trazendo consigo, a cada regresso, o retorno de todos eles.
É por lá, por esse quartinho pequeno mas profundo, que gosto de ficar, e é de lá, debruçada sobre a varanda da nostalgia que, ao perscrutar o meu caminho, compreendo que o tempo valeu a pena, pois as inúmeras pedras da estrada do passado, estão hoje cobertas por belas, coloridas e perfumadas flores

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Inesquecível

Inesquecível

Inesquecível o teu olhar refulgente como a minha estrela que brilha lá no céu.
Inesquecível, o pôr-do-sol cortejando o mar, a brisa suave que o teu beijo aqueceu. Suave, terna a despedida de um amor que a coberto da luz do luar, aconteceu com carácter de urgência.
Inesquecível o toque seda da tua pele, o perfume que o teu beijo deixou ficar para sempre na minha alma.
Inesquecível o sorriso e porque não, a gargalhada que solta a alegria no ar.
Inesquecível a inocência fugaz revisitada no mais puro êxtase de quem contempla o universo pela primeira vez.
Inesquecível a magia, o sonho, a poesia que em mim despertaste.
Inesquecível tu... eu
Inesquecível nós.
Mas é assim que, quando o brilho de duas estrelas cintilam juntas, o mundo se torna, inesquecível.

domingo, 19 de julho de 2009

Ao sabor do vento

Ao sabor do vento

Neste entardecer, em que a penumbra faz parecer que o sol se esmaga na linha do horizonte, saio do hotel rumo á beira-rio.
Vou sozinha comigo mesma, envolta num sem fim de pensamentos, enquanto rememoro passagens do passado que a saudade cristalizou na minha memória.
Por breves instantes, sinto-me triste, profundamente triste até que, inesperadamente, uma suave brisa vem brincar comigo, acariciando o meu corpo com incrível doçura.
Fecho os olhos, inebriada pela sensação que me provoca, aquele toque seda do vento contra a minha pele e que parece levar consigo, o peso que carrego sobre os meus ombros.
O mundo à minha volta, deixou de existir. Não tenho medo ou pudor que alguém me veja. Para mim, este vento magico e imprevisto, é a resposta às minhas preces, por isso, aceito o seu convite para uma valsa imaginaria, em que de braços abertos, danço com ele e por uma vez, em toda a minha caminhada, deixo-me apenas levar ao sabor do vento.
Não sei, creio nunca saberei, quanto tempo o nosso “caso” durou. Quando nos sentimos felizes, o relógio da alma, é quem marca o compasso, nem tão pouco sei, se foi sonho ou realidade, aquela verdadeira loucura de dançar com a brisa, mas, sinceramente, isso pouco ou nada me importa.
Sei apenas que veio bem de longe, bem de lá da linha do horizonte, onde o céu e a terra se parecem beijar. Sei que me trouxe uma carícia. Que dançámos. Que fomos felizes e que, quando partiu deixou em mim, um doce perfume de saudade.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Não apenas no verão

Hum... nada melhor que um dia de verão para abrir as janelas da alma e deixar que o vento, leve, para bem longe, a poeira que a tristeza foi deixando.
Terá a ver com as temperaturas amenas, mas não só, tem, sobretudo a ver com a luminosidade que nos cerca e que torna tudo à nossa volta, muito mais bonito.
Mas se reflectirmos um pouco, é precisamente essa luz que nos devemos propor a encontrar e trazer até nós, todos os dias.
Não creio que haja alguém que goste de escuridão. Ela que confere a tudo uma profunda tristeza e onde se escondem os inúmeros fantasmas que o nosso medo foi produzindo, contudo, essa busca incessante e premente por luz, é o que todos, inconscientemente fazemos.
Difícil será retê-la. A luz é uma coisa dinâmica que vem e que vai, ah mas quando vai, ressalta uma outra espécie de beleza. No céu refulgem as estrelas, enquanto o luar nos vela o sono, até que a noite adormece e o dia desperta, trazendo de novo, o renascer da esperança.
E eis que a janela da minha alma se escancara. E o vento vem de mansinho, levando consigo a poeira doirada dos meus sonhos, bem para lá da linha do horizonte.
Por isso, quando a noite cai sob a forma de tristeza, sei que ainda me resta, o meu próprio céu, o céu que essa poeira doirada de sonhos, transformou num imenso mar de estrelas, e que elas, estão sempre lá não apenas no verão.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

regresso ao passado

Incomensurável mistério, a mente humana. Maravilhosos os pequenos milagres que inesperadamente acontecem, quando a saudade nos vem fazer uma visita e assim, como que cristalizada na minha memória, eis que surge nítido e real, aquele preciso momento.
E subitamente, achei-me na bela baía de São Martinho do Porto. Gigantescos penhascos abraçando o mar, a silhueta de duas figuras caminhando sobre a areia dourada. Ele traz pela mão uma criança, uma menina cujos cabelos loiros esvoaçam ao sabor do vento e de tão autêntico, sinto de novo o calor da sua mão.
Foi ali, foi assim e foi com ele que descobri a minha fé. De mãos dadas passeando na praia, sentindo a carícia do vento. A paixão que através do brilho dos seus olhos, veio aquecer o meu coração, enquanto me falava sobre esse Ser magnífico cujo toque de divino, podemos descobrir em todos os seres vivos.
Eu era apenas uma menina. Ele, um homem que ao ser chamado para servir a Deus, se entregou de alma e coração, contudo, ao invés de papagueadas e vazias, as suas palavras, foram o quanto baste para despertar em mim a luz que sei, iluminará para sempre o meu caminho.
E agora, agora que ele, simplesmente se mudou para o andar de cima, a memória desse despertar à mistura com a saudade de um grande amigo, fez com que a minha alma revivesse esse inesquecível e belo presente que me ofereceu, o encontro com a luz.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Para onde vais?

Para onde vais?


Naquela manhã, tal como em todas as outras, levei-a a passear comigo.
Ao longo dos anos, fui sentindo a sua mãozinha crescendo dentro da minha, formando uma espécie de laço, o laço do nosso amor, porém, e uma vez mais, o meu coração sentiu, aquela dor profunda, ao presenciar o preciso instante, em que os nossos filhos abrem as asas, prontos para voos mais longínquos.
Em algum momento, percebemos que afinal, não são nossos. Vêm através de nós, espelham um pouco de nós, mas trazem pequenas invisíveis asas que um dia terão mesmo que abrir, e assim, num misto de tristeza, ansiedade e de esperança, vemo-los partir embora fisicamente continuem perto de nós.
O mundo é constituído por incontáveis mundos. Mundos longínquos. Inacessíveis. Mundos que mais não são do que a alma de cada um, alma essa que a vida vai esculpindo, impregnando-a de coisas boas mas sobretudo, de coisas más e assim, de sonho em sonho, nos vamos afastando uns dos outros.
Mas naquela manhã, a alma da minha filha mais nova, tinha decidido que já podia caminhar apenas ao meu lado, desatando o laço que a mantinha cativa do útero materno. A partir de agora, muito raramente, iria voltar a sentir aquela mãozinha crescer dentro da minha:
- Para onde vais? - Perguntou o meu coração doído. Ela poisou os seus olhos nos meus e respondeu – não vês que cresci mãe? Só as crianças andam de mãos dadas com as mães! -E antes que eu pudesse dizer fosse o que fosse, acrescentou: - mas não fiques triste, mãe, tenho-te guardada aqui no meu coração.

Guardado em mim

Guardado em mim


Muito de mansinho, a imagem com que convivi todos estes anos, tem-se vindo a despedir.
Para trás, vão ficando como pequenas cinzas, espectros de uma vida intensamente vivida. Para a frente, o novo desafio de ser capaz de lidar com a invisibilidade perante os outros.
Mas longe dessa tristeza, tristemente triste, em que os anos vão levando consigo os traços leves e a silhueta esbelta a minha alma vem-se desvendando. Ela que, sem que eu sequer suspeitasse, se escondia por debaixo de pétalas de rosa, perfumando agora os meus dias, com mais sabedoria, mais serenidade mais doçura e por isso mais bela.
Afinal de contas, guardado em mim, esteve todo esse tempo, o tesouro mais precioso, aquele que me mantém presente o uso fugaz desta casca que acolhe como um casulo, a essência do meu ser, um perfume de rosa que odora por onde passa e que esse sim, é imortal.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Ultimamente...

Ultimamente ela parecia andar diferente. Perfumava-se a cada manhã, vestia os seus vestidos favoritos mesmo que não fosse sair. Cantarolava pela casa e, quando saía, retardava o seu regresso, escusando-se com a borboleta que ao esvoaçar lhe prendera a atenção, ou, mais estranho ainda, porque se detera ante um qualquer, mero fenómeno da natureza, e o seu olhar... o seu olhar de quando em vez, deixava-se perder algures no horizonte, levando toda a sua alma para longe, muito longe, mas fora naquela terrível noite que, semi sonhando, os seus lábios deixaram escapar num murmúrio, um nome, e fora desde então que o tormento do marido começou.
Levantara-se da cama, temendo que mesmo adormecida, ela pudesse escutar as batidas fortes e aceleradas que o seu coração fazia, quase que explodindo no peito. Sentara-se no banco da cozinha, as mãos segurando a cabeça, os olhos humedecidos pelas lágrimas incrédulas que ele se recusava a derramar.
A ser verdade que escutara daquela que tanto amava, o nome de outro, seria uma tão imensa dor que não se sentia capaz de suportar. Fechou os olhos e em vão procurou dentro de si, a razão ou causa para tamanha fatalidade.
Os dias entretanto foram passando ao ritmo arrastado que o sofrimento provoca, cristalizando pequenos instantes, procurando gestos em falso, aguçando a desconfiança nas palavras mas sobretudo, separando cada vez mais, aqueles dois corações, de tal forma, que já nem as suas vozes se ouviam sem gritos.
Até que por fim uma carta chegou. Um discreto envelope branco onde vinha escrito o nome proferido naquela noite e a raiva tomando conta da razão, fez com que o abrisse.
Deixou-se cair sem forças no pequeno sofá. As mãos tremendo, segurando com dificuldade a folha de papel timbrado. As lágrimas correndo em torrente enquanto por entre as linhas, ele lia, que o resultado da biopsia que ela fizeram em segredo, revelava que o tumor era maligno e agora sim, ele compreendia que ela, ultimamente, apenas desfrutava das pequenas coisas da vida, com carácter de urgência.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Aprendendo a sonhar

Pássaro azul


Gostava de ser um pequeno pássaro azul. Pequeno porque a grandeza não está no tamanho mas na dimensão da nossa alma, e essa, enquanto for capaz de sonhar, será sempre, sempre, sempre, imensa. Azul, como o azul do céu, azul da eternidade.
Por vezes, sinto uma enorme saudade daquela rapariga que um dia fui e nessas alturas, acorre-me a imagem de um pequeno pássaro azul. Que nasceu livre. Que nasceu para voar e que levava nas asas, ao sabor da suave brisa do vento, um incomensurável mundo de sonhos.
Os anos vão passando, e com eles, vão-se esbatendo as nossas fantasias até ficarem perdidas algures, nas nossas memórias da infância, porém, de quando em vez, essas memórias regressam anunciando que os nossos sonhos não morreram e não morrerão nunca e que sempre será tempo de os tornarmos em realidade.
Então fecho os olhos e procuro esse pequeno ser, que descubro, contínua ainda vivo dentro de mim. Azul. Pequenino. Livre.
Um ser que mais não é do que a minha, a nossa alma, esse maravilhoso, mágico milagre que existe dentro de cada um.

Beleza rara

Soube há pouco que, no decurso de uma corrida contra o tempo, uma conhecida minha, tinha ficado desfigurada e para ela, a quem envelhecer parecia abominável, a sua titânica luta chegou, irremediavelmente ao fim.
Na verdade, se enquanto uns, tentam corrigir os parcos atributos que a natureza lhes conferiu, para aqueles, que donos de alguma beleza a ela se acostumaram, envelhecer é ainda mais penoso.
Não me recordo muito bem dela mas retenho a imagem de uma mulher que, embora elegante, projectava uma sensação de frieza e de leviandade. Ao seu lado, não eram raros os comentários jocosos ou até mesmo de escárnio, perante pessoas menos esbeltas. E as suas conversas, rodopiavam por entre, trapos, cremes e coisas afins.
Mas a idade não se compadece com vaidades. O corpo também tem os seus limites e para ela, no final das inúmeras cirurgias com que massacrou o seu físico, algo correu mal.
Ainda assim teve sorte. Continua viva e sobretudo lúcida para poder compreender que na vida a beleza sim, é importante mas não aquela que se vê por fora.
A verdadeira beleza é antes de mais, rara. Irradia do mais fundo do nosso ser, sempre que nos condoemos com o sofrimento alheio, sempre que oferecemos um sorriso sincero, sempre que nos entendemos como parte integrante de um imenso Todo, mas sobretudo, quando somos humildes o suficiente para saber que estamos aqui apenas de passagem.

Abrindo gavetas


Tenho andado a tentar arrumar o meu sótão. Dei-me conta de que por mais que o esconda por debaixo dos cabelos loiros, pinte o meu rosto tentando ocultar o desalinho em que me vai a alma, o embaraço sempre aparece quando, de uma gaveta mal fechada, sai o cheiro putrefacto de um sentimento ou historia mal resolvida.
Mas o que é um facto, é que passamos a vida a enfiar dentro de incontáveis gavetas, coisas que a nossa alma não arquiva, apenas adormece até que num pequeno tropeço, uma delas se entreabre, e eu, que pensava já ter esquecido, vejo-me de novo a braços, com um arquivo quase sempre inflacionado, pelo tempo em que inconscientemente, lhe dei guarida.
Do lado de cá, no lado físico e palpável da vida, os meus armários também estão atafulhados de coisas que tão pouco me recordo, só que enquanto as posso deitar literalmente fora, o lixo da alma, esse, acumulou-se de mansinho, encontrou o seu espaço, acomodou-se, por isso faz parte do fardo invisível que não só carrego mas que inspira e instiga muito dispensável sofrimento.
Quantas mas quantas vezes, engolimos palavras, omitimos actos, adiamos decisões enfiando tudo isso para dentro de uma gaveta.
Pois creio que, pelo menos para mim, é chegado o tempo, não de reorganizar os ficheiros mas de fazer uma bela limpeza nesse sótão empoeirado, escancarando as janelas da alma, abrindo as minhas gavetas e soltar sob a forma de pequenas e coloridas borboletas, tudo aquilo que me faz sofrer.

Vida sem ti


Apesar do quase meio século de uma existência intensamente vivida, apesar da reflexão incessante e profunda sobre os mistérios da vida e da alma humana, apesar da dor e do sofrimento, ainda não sei, como se vive sem mãe.
Sinto no meu coração, o fim anunciado de um amor que teve início algures no tempo, um tempo que se mede, apenas com a alma. Um amor que de tão grande, resgatou a sua própria imortalidade.
O tempo e só o tempo, foi capaz de tornar ainda mais inquebráveis, os laços que a partilha entretece. Da ternura, dos sermões, das advertências, dos sustos, das traquinices..., contudo, se existe lugar mais extraordinário, o útero da mãe, será sempre, o idílico a que só o sonho permite regressar, quantas vezes, sob a forma de um abraço bem apertado.
Ao longo da nossa vida, aprendemos muitas formas de amar. Aprendemos a amar outros que não os do mesmo sangue, outros que embora saídos do nosso próprio ventre, continuadamente nos revelam as diferentes matizes de que se reveste esse sentimento tão belo e tão profundo, o amor primordial que nos ensinou.
E caminhamos pelas estradas da vida. Rumo ao futuro. De encontro ao nosso destino, contudo, e sem que saibamos, ancorados no refúgio de um colo, pois enquanto temos mãe, será sempre ali, que encontraremos consolo.
Viver sem mãe, é perder o aconchego do ser que abraça todas as nossas imperfeições. É ficar amputado das mãos que nos amenizam qualquer dor.
É vermos ser, arrancado do peito, o pedaço que faz com que o nosso coração bata, também para os outros.

Como um espelho

Raramente nos questionamos sobre o papel, espaço ou importância que representamos na vida das pessoas. Se para elas somos meros cometas, se estrelas, se apenas e somente, nada, contudo, a própria vida, é como um espelho que devolve a cada um de nós, o reflexo dos nossos pensamentos mais íntimos pois são eles que ditam, o nosso modo de agir.
Penso muitas vezes, nesse brilhozinho nos olhos de seres que o destino me faz reencontrar e com quem vivi pequenos instantes, algures no passado. Curioso é o relato de curtas histórias, que o tempo me ajudou a esquecer mas que ficaram nos seus corações, sabe-se lá porquê.
Talvez a vida seja mesma feita de duas metades. Uma em que semeamos, a outra em que colhemos, pois só isso, justificaria, que, a dado momento, os reflexos das palavras, mas sobretudo dos meus actos, regressassem até mim, porém, a minha leitura aprofunda-se na busca da sabedoria que se esconde por detrás dessa aparente coincidência.
Ocuparmos um, ainda que muito pequenino espaço no coração de alguém ou simplesmente, termos deixado gravado na sua alma um sorriso, é sem sombra de duvida, um sinal que o universo nos envia como estimulo, tal como um espelho, a luz que nele reflectimos, regressa até nós para nos iluminar o caminho