quinta-feira, 15 de maio de 2008

O olhar dela

A aula tinha chegado ao fim. Marisa veio sentar-se ao meu colo, depois, cravando os seus lindos olhos verde azeitona nos meus, começou por dizer: - Sabes professora, eu sou pequenina mas já sofri muito – e nos dez, mais agonizantes e intermináveis minutos que se seguiram, contou-me a sua história.
Falou-me da morte dos irmãos. Da saudade... até que falou do pai, das suas amantes, das mentiras e sobretudo, do quanto tudo isso fazia a sua mãe sofrer. Mas o que inquieta, é que ela sabe todos os pormenores do sórdido drama, relatando-o com um vocabulário de uma mulher sofrida, porém e apesar de tudo, a expressão dos seus olhos é doce, como se de alguma forma, se bem que ela sofra, soubesse que tudo aquilo são histórias que não são suas.
Tento ouvi-la com o meu coração, e lá, encontrar palavras capazes de apaziguar o seu espiritozinho inquieto, mas quando o mal se instala, torna-se difícil.
De regresso a casa, não sou capaz de deixar de sentir uma certa raiva por aquela mãe. Afinal de contas e apesar das traições e afins, o pai de Marisa, continuou a amá-la e a tratá-la bem, contudo, o sofrimento daquela menina, não é por amor de filha mas de mulher traída.
Acredito, cada vez com mais veemência, que o mundo está, incontornávelmente louco, e de tão louco, ainda ninguém percebeu, o mal que se está a fazer às crianças. Não existe tempo para elas. Para as amar. Para as proteger, contudo, existe tempo para as magoar, para as afligir mas acima de tudo, para as amargurar.
Marisa é apenas uma, dos milhões de seres pequeninos, que os pais, por estupidez e ignorância, não permitem que sejam apenas e somente crianças. Obrigam-nas a viver as suas histórias, os seus dramas, a aprenderem a perder-se nos seus infindáveis labirintos emocionais.
Para quem não sabe, as escolas estão cheias de minúsculos adultos, que carregam aos ombros, pesados fardos, fardos esses, que descarregam sobre os outros da sua idade, através de uma violência desmesurada e, mais grave ainda, impune. São mais do que tudo, surdos pedidos de socorro. Duras chamadas de atenção pelo incomensurável sofrimento, a que estão sujeitos.
Longe vão, os saudosos tempos, em que as conversas de adultos eram tidas à porta fechada. Em que ser-se criança era o melhor tempo das nossas vidas. A tal ancora que nos mantinha presos à esperança que a felicidade é possível.

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