Do outro lado do guiché, a expressão do olhar causava uma certa estranheza até que por fim, ao escutar as suas palavras, compreendi.
São três da tarde. Acabei de, uma vez mais, internar a minha mãe. Pouco depois alguém me chama pedindo-me que vá buscar os pertences dela.
A mulher que me recebe tem, cravados no rosto infindáveis sulcos que como o tal mapa da alma, denunciam a vida dura e difícil que terá suportado, contudo, é a forma como me olha que perturba.
Sem saber bem porquê, talvez para aliviar a minha preocupação, confesso-lhe a minha angústia mas sobretudo o cansaço emocional que há anos me acompanha, desde que o estado de saúde da minha mãe se deteriorou.
Marta é esse o seu nome, mantém os seus olhos pregados nos meus e, a sensação que tenho é que perscruta o que me vai verdadeiramente na alma, depois, como se tivesse encontrado aquilo que procurava, acaba por explicar.
Há muito que perdeu a conta aos casos de familiares que ali deixam os seus idosos para não mais voltar. O hospital tornou-se assim, numa espécie de depósito mas sobretudo, o mais fácil lavar de mãos para muitos que quer por incapacidade ou vontade, não encontram outras saídas para aqueles seres que agora se tornaram em pesada cruz.
A expressão que encontrei nos seus olhos foi a da desconfiança, habituada mas inconformada que está com a bestialidade instituída, apoiada sobre o facilitismo de uma simples morada falsa.
Para muitos, a última imagem que levam das suas passagem por esta vida, são apenas e somente, a das paredes do hospital onde o correr de cortina, esconde o verdadeiro rosto da desumanidade.
terça-feira, 18 de maio de 2010
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