sábado, 20 de setembro de 2008

Volto já

Apesar do mal que por dentro o corroía, manteve o seu sorriso até ao fim, mesmo quando se soube incapaz de fugir à morte foi com sentido de humor que me disse: - amiga, a morte é a grande traição à vida mas confesso, sinto uma enorme curiosidade em saber o que me espera do outro lado, e prometo-te que assim que descobrir volto cá para te dizer.
O meu amigo partiu e desde então que ansiosamente serena, aguardo que o prometido se cumpra.
Desde sempre que a morte e o incomensurável mistério que a envolve, tem exercido um fascínio inspirador alimentando o inesgotável universo do imaginário de incontáveis escritores e poetas.
Doloroso para quem fica, contudo, é pelo testemunho daqueles cujo fim se anuncia, que a serenidade nos serve de consolo e, talvez a morte, não seja tão má assim, sobretudo, quando do lado de cá, a vida, feita e mantida pelos que também a aguardam na fila de espera, se torna quantas vezes tão pouco apetecível.
Mas fascinante é a ideia da continuidade, talvez sob outra forma esquecida mas sobretudo que retornar é possível. Por vezes, aquelas suas palavras ressoam na minha mente, e é nessas alturas que quase parece que sinto a sua presença. Sempre sorrindo, sempre em busca do lado soalheiro da vida.
Ah amigo, como gostaria de saber notícias tuas. Que bom seria, se a morte fosse apenas e somente, um volto já.

Ultimamente

Ultimamente ela parecia andar diferente. Perfumava-se a cada manhã, vestia os seus vestidos favoritos mesmo que não fosse sair. Cantarolava pela casa e, quando saía, retardava o seu regresso, escusando-se com a borboleta que ao esvoaçar lhe prendera a atenção, ou, mais estranho ainda, porque se detera ante um qualquer, mero fenómeno da natureza, e o seu olhar... o seu olhar de quando em vez, deixava-se perder algures no horizonte, levando toda a sua alma para longe, muito longe mas fora naquela terrível noite que, semi sonhando, os seus lábios deixaram escapar num murmúrio, um nome, e fora desde então que o tormento do marido começou.
Levantara-se da cama, temendo que mesmo adormecida, ela pudesse escutar as batidas fortes e aceleradas que o seu coração fazia, quase que explodindo no peito. Sentara-se no banco da cozinha, as mãos segurando a cabeça, os olhos humedecidos pelas lágrimas incrédulas que ele se recusava a derramar.
A ser verdade que escutara daquela que tanto amava, o nome de outro, seria uma tão imensa dor que não se sentia capaz de suportar, fechou os olhos e em vão procurou dentro de si, a razão ou a causa para tamanha fatalidade.
Os dias entretanto foram passando ao ritmo arrastado que o sofrimento provoca, cristalizando pequenos instantes, procurando gestos em falso, aguçando a desconfiança nas palavras mas sobretudo, separando cada vez mais, aqueles dois corações, de tal forma, que já nem as suas vozes se ouviam sem gritos.
Até que por fim uma carta chegou. Um discreto envelope branco onde vinha escrito o nome proferido naquela noite e a raiva tomando conta da razão, fez com que o abrisse.
Deixou-se cair sem forças no pequeno sofá. As mãos tremendo, segurando com dificuldade a folha de papel timbrado, as lágrimas correndo em torrente enquanto por entre as linhas, ele lia, que o resultado da biopsia que ela fizeram em segredo, revelava que o tumor era maligno e agora sim, ele compreendia que ela, ultimamente, apenas desfrutava das pequenas coisas da vida, com carácter de urgência.

sábado, 13 de setembro de 2008

O portal do tempo

Talvez um pouco tarde se aprende que, mais poderoso até do que a própria vida, o tempo é afinal de contas, o grande mestre, o único justiceiro e quase sempre a única esperança.
Recordo quando ainda mais jovem, me consumia pela ânsia do alcançar contudo, foi a idade que vindo bem de mansinho, trouxe consigo, a sabedoria para passar através do portal do tempo.
De nada nos vale querer detê-lo, antecipá-lo, o tempo etéreo apenas se sente, já que o relógio do coração bate a uma frequência bem diferente, marcando um tempo que não se mede em segundos, minutos ou horas mas tão somente, num tempo de emoções e sentimentos que só a ilusão da saudade cristaliza na nossa alma, enquanto o tempo sereno passa.
Por vezes, existem pausas, breves e efémeros instantes em que o tempo parece, fica suspenso algures num limbo, sobretudo quando nos deixamos levar pelo desalento, porque eterno, só mesmo aquela fracção de segundo, de tamanha intensidade que nos acompanha indelevelmente.
Vagarosa e tardiamente, aprendemos que tudo tem o seu próprio tempo, para nascer, para florir, para amadurecer e para partir e que tudo se desenrola e desenlaça à sua própria cadência, mas isso, só mesmo assimilando a dura lição da espera.
Atravessar o portal do tempo... mas para onde, para quê? Talvez para por fim compreendermos, que em vão nos desgastamos, em vão nos perdemos, em vão desperdiçamos o curto espaço de tempo que dura a vida, porém, só ao transpormos essa portada, é que por fim percebemos que a chave que a abriu mais não é do que serenidade que o acreditar nos traz.
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Fascinante!

Fascinante!

Apesar dos pesares e, apesar de tudo, esta vida continua a ser fascinante.
A cada manhã a promessa do cumprir de sonhos. Em cada encontro, o inicio da descoberta de uma nova histórias e quantas não existem por aí, clamando por se fazerem ouvir, sobretudo, quando mágoas se acumulam dentro do peito.
Quase sempre basta um ouvido disponível mas, se lhe juntarmos um coração compassivo, as palavras surgem em torrente, desfiando sentimentos, tornando leves as emoções contidas, trazendo de mansinho, um sorriso a principio bem desmaiado até se tornar este, num pequeno sol que, dali por alguns instantes, iluminará também o caminho de outros.
Creio ser, mais do que se possa imaginar, uma das mais belas missões de vida, este, o dom de saber escutar mágoas alheias e se bem que por vezes complicado, fascinante será sempre, o generoso e inesperado retorno, sempre na justa medida da nossa entrega.
Fascinantes e arrebatadores, os milagres que olhares mais atentos, têm a graça de presenciar, pequenos nadas, singelas centelhas do brilho das estrelas que, vindo dos olhos que ajudámos a iluminar, tornam tudo isto, um pouco mais bonito mas, seguramente, mantendo presente, o incomensurável mistério da alma humana.