quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Aprendendo a sonhar

Pássaro azul


Gostava de ser um pequeno pássaro azul. Pequeno porque a grandeza não está no tamanho mas na dimensão da nossa alma, e essa, enquanto for capaz de sonhar, será sempre, sempre, sempre, imensa. Azul, como o azul do céu, azul da eternidade.
Por vezes, sinto uma enorme saudade daquela rapariga que um dia fui e nessas alturas, acorre-me a imagem de um pequeno pássaro azul. Que nasceu livre. Que nasceu para voar e que levava nas asas, ao sabor da suave brisa do vento, um incomensurável mundo de sonhos.
Os anos vão passando, e com eles, vão-se esbatendo as nossas fantasias até ficarem perdidas algures, nas nossas memórias da infância, porém, de quando em vez, essas memórias regressam anunciando que os nossos sonhos não morreram e não morrerão nunca e que sempre será tempo de os tornarmos em realidade.
Então fecho os olhos e procuro esse pequeno ser, que descubro, contínua ainda vivo dentro de mim. Azul. Pequenino. Livre.
Um ser que mais não é do que a minha, a nossa alma, esse maravilhoso, mágico milagre que existe dentro de cada um.

Beleza rara

Soube há pouco que, no decurso de uma corrida contra o tempo, uma conhecida minha, tinha ficado desfigurada e para ela, a quem envelhecer parecia abominável, a sua titânica luta chegou, irremediavelmente ao fim.
Na verdade, se enquanto uns, tentam corrigir os parcos atributos que a natureza lhes conferiu, para aqueles, que donos de alguma beleza a ela se acostumaram, envelhecer é ainda mais penoso.
Não me recordo muito bem dela mas retenho a imagem de uma mulher que, embora elegante, projectava uma sensação de frieza e de leviandade. Ao seu lado, não eram raros os comentários jocosos ou até mesmo de escárnio, perante pessoas menos esbeltas. E as suas conversas, rodopiavam por entre, trapos, cremes e coisas afins.
Mas a idade não se compadece com vaidades. O corpo também tem os seus limites e para ela, no final das inúmeras cirurgias com que massacrou o seu físico, algo correu mal.
Ainda assim teve sorte. Continua viva e sobretudo lúcida para poder compreender que na vida a beleza sim, é importante mas não aquela que se vê por fora.
A verdadeira beleza é antes de mais, rara. Irradia do mais fundo do nosso ser, sempre que nos condoemos com o sofrimento alheio, sempre que oferecemos um sorriso sincero, sempre que nos entendemos como parte integrante de um imenso Todo, mas sobretudo, quando somos humildes o suficiente para saber que estamos aqui apenas de passagem.

Abrindo gavetas


Tenho andado a tentar arrumar o meu sótão. Dei-me conta de que por mais que o esconda por debaixo dos cabelos loiros, pinte o meu rosto tentando ocultar o desalinho em que me vai a alma, o embaraço sempre aparece quando, de uma gaveta mal fechada, sai o cheiro putrefacto de um sentimento ou historia mal resolvida.
Mas o que é um facto, é que passamos a vida a enfiar dentro de incontáveis gavetas, coisas que a nossa alma não arquiva, apenas adormece até que num pequeno tropeço, uma delas se entreabre, e eu, que pensava já ter esquecido, vejo-me de novo a braços, com um arquivo quase sempre inflacionado, pelo tempo em que inconscientemente, lhe dei guarida.
Do lado de cá, no lado físico e palpável da vida, os meus armários também estão atafulhados de coisas que tão pouco me recordo, só que enquanto as posso deitar literalmente fora, o lixo da alma, esse, acumulou-se de mansinho, encontrou o seu espaço, acomodou-se, por isso faz parte do fardo invisível que não só carrego mas que inspira e instiga muito dispensável sofrimento.
Quantas mas quantas vezes, engolimos palavras, omitimos actos, adiamos decisões enfiando tudo isso para dentro de uma gaveta.
Pois creio que, pelo menos para mim, é chegado o tempo, não de reorganizar os ficheiros mas de fazer uma bela limpeza nesse sótão empoeirado, escancarando as janelas da alma, abrindo as minhas gavetas e soltar sob a forma de pequenas e coloridas borboletas, tudo aquilo que me faz sofrer.

Vida sem ti


Apesar do quase meio século de uma existência intensamente vivida, apesar da reflexão incessante e profunda sobre os mistérios da vida e da alma humana, apesar da dor e do sofrimento, ainda não sei, como se vive sem mãe.
Sinto no meu coração, o fim anunciado de um amor que teve início algures no tempo, um tempo que se mede, apenas com a alma. Um amor que de tão grande, resgatou a sua própria imortalidade.
O tempo e só o tempo, foi capaz de tornar ainda mais inquebráveis, os laços que a partilha entretece. Da ternura, dos sermões, das advertências, dos sustos, das traquinices..., contudo, se existe lugar mais extraordinário, o útero da mãe, será sempre, o idílico a que só o sonho permite regressar, quantas vezes, sob a forma de um abraço bem apertado.
Ao longo da nossa vida, aprendemos muitas formas de amar. Aprendemos a amar outros que não os do mesmo sangue, outros que embora saídos do nosso próprio ventre, continuadamente nos revelam as diferentes matizes de que se reveste esse sentimento tão belo e tão profundo, o amor primordial que nos ensinou.
E caminhamos pelas estradas da vida. Rumo ao futuro. De encontro ao nosso destino, contudo, e sem que saibamos, ancorados no refúgio de um colo, pois enquanto temos mãe, será sempre ali, que encontraremos consolo.
Viver sem mãe, é perder o aconchego do ser que abraça todas as nossas imperfeições. É ficar amputado das mãos que nos amenizam qualquer dor.
É vermos ser, arrancado do peito, o pedaço que faz com que o nosso coração bata, também para os outros.

Como um espelho

Raramente nos questionamos sobre o papel, espaço ou importância que representamos na vida das pessoas. Se para elas somos meros cometas, se estrelas, se apenas e somente, nada, contudo, a própria vida, é como um espelho que devolve a cada um de nós, o reflexo dos nossos pensamentos mais íntimos pois são eles que ditam, o nosso modo de agir.
Penso muitas vezes, nesse brilhozinho nos olhos de seres que o destino me faz reencontrar e com quem vivi pequenos instantes, algures no passado. Curioso é o relato de curtas histórias, que o tempo me ajudou a esquecer mas que ficaram nos seus corações, sabe-se lá porquê.
Talvez a vida seja mesma feita de duas metades. Uma em que semeamos, a outra em que colhemos, pois só isso, justificaria, que, a dado momento, os reflexos das palavras, mas sobretudo dos meus actos, regressassem até mim, porém, a minha leitura aprofunda-se na busca da sabedoria que se esconde por detrás dessa aparente coincidência.
Ocuparmos um, ainda que muito pequenino espaço no coração de alguém ou simplesmente, termos deixado gravado na sua alma um sorriso, é sem sombra de duvida, um sinal que o universo nos envia como estimulo, tal como um espelho, a luz que nele reflectimos, regressa até nós para nos iluminar o caminho