quarta-feira, 18 de março de 2009

Ultimamente...

Ultimamente ela parecia andar diferente. Perfumava-se a cada manhã, vestia os seus vestidos favoritos mesmo que não fosse sair. Cantarolava pela casa e, quando saía, retardava o seu regresso, escusando-se com a borboleta que ao esvoaçar lhe prendera a atenção, ou, mais estranho ainda, porque se detera ante um qualquer, mero fenómeno da natureza, e o seu olhar... o seu olhar de quando em vez, deixava-se perder algures no horizonte, levando toda a sua alma para longe, muito longe, mas fora naquela terrível noite que, semi sonhando, os seus lábios deixaram escapar num murmúrio, um nome, e fora desde então que o tormento do marido começou.
Levantara-se da cama, temendo que mesmo adormecida, ela pudesse escutar as batidas fortes e aceleradas que o seu coração fazia, quase que explodindo no peito. Sentara-se no banco da cozinha, as mãos segurando a cabeça, os olhos humedecidos pelas lágrimas incrédulas que ele se recusava a derramar.
A ser verdade que escutara daquela que tanto amava, o nome de outro, seria uma tão imensa dor que não se sentia capaz de suportar. Fechou os olhos e em vão procurou dentro de si, a razão ou causa para tamanha fatalidade.
Os dias entretanto foram passando ao ritmo arrastado que o sofrimento provoca, cristalizando pequenos instantes, procurando gestos em falso, aguçando a desconfiança nas palavras mas sobretudo, separando cada vez mais, aqueles dois corações, de tal forma, que já nem as suas vozes se ouviam sem gritos.
Até que por fim uma carta chegou. Um discreto envelope branco onde vinha escrito o nome proferido naquela noite e a raiva tomando conta da razão, fez com que o abrisse.
Deixou-se cair sem forças no pequeno sofá. As mãos tremendo, segurando com dificuldade a folha de papel timbrado. As lágrimas correndo em torrente enquanto por entre as linhas, ele lia, que o resultado da biopsia que ela fizeram em segredo, revelava que o tumor era maligno e agora sim, ele compreendia que ela, ultimamente, apenas desfrutava das pequenas coisas da vida, com carácter de urgência.